Maria (nome fictício) estava sentada diante de seu computador no laboratório de informática educativa da escola em que leciona. É uma manhã do mês de outubro de 2007. Ela trabalha da rede municipal de ensino de São Paulo. É professora há “uns 20 anos, mais de 10 só na informática”.
Formada em matemática, analisa uma planilha do Excel com os gastos pessoais, num horário vago no período, e faz malabarismos eletrônicos para conciliar todas as contas do antepenúltimo mês do ano com o precário salário recebido pelo magistério.
Aproveitava o momento para refletir sobre uma conversa sempre lembrada pelos alunos do ginásio. Carlos Villagrán (o Quico, do Chaves) comentava sobre o pai de seu personagem, que descansava eternamente. Ao que Chapolin Colorado questiona: “É funcionário público?”. Esse diálogo acontece no episódio em que o papagaio Luís Manuel repete “Não te enrugues, couro velho, que te quero para tambor”. Maria achava um absurdo tal comparação, mas não ousava dizer que a lembrança era ruim. “Turminha, não digam essas coisas. Muitos profissionais não são assim.”
Com voz doce, passou anos tentando dominar classes de adolescentes rebeldes, que utilizavam o Orkut durante as aulas sobre os macetes do Word. Ou sobre as obras de arte feitas no Paint.
No mesmo corredor do laboratório de informática, ficavam as quatro classes da 8ª série. Naquele dia, ela teria aula com a 8ªD. Esperava apenas o toque do sinal para buscar os alunos.
Nas salas 2 e 4, alunos trocavam ameaças. Dois professores haviam faltado. Os dois grupos estavam em “aula vaga”. Silenciosamente, no corredor, iniciou-se uma guerra de bolinhas de papel. A maioria participava, aparentando diversão. “Nós vamos acabar com vocês”, gritava uma menina – a líder de uma classe. “Só depois que eu enfiar o palhaço na sua cabeça”, respondia o outro lado. A boca da lata de lixo do corredor tinha a forma de um palhaço.
As coordenadoras não haviam chegado. A diretora, como sempre, estava em licença. Os professores estavam sozinhos no meio do meio do deserto, sem bússola.
Em minutos, os papéis amassados foram substituídos por cadernos; depois, por lápis; por cadeiras; por mesas! Tudo voava de um lado a outro no corredor da escola municipal.
As outras duas salas do corredor ficaram com suas portas fechadas: alunos e professores com medo de sair. Ninguém, nenhum funcionário da escola aparecia para acudir.
Uma mesa chocava-se contra uma parede amarela, uma cadeira contra uma porta de ferro. A campainha soou anunciando o fim da aula.
Maria, na sala de informática, juntava o seu material, procurava o diário de classe e colocava a mão na maçaneta, quando os alunos que se formariam em 2007 no ensino fundamental esconderam-se dentro das classes.
Os professores foram para suas salas, fecharam as portas. Maria, sempre pontual, naquele dia se atrasou, pois não encontrava as papeladas para fazer a chamada dos alunos.
Encontrou. Cinco minutos após o sinal.
Saiu da sala.
Os alunos também.
A docente caminhava pelo corredor. Os alunos voltaram para a briga. Uma menina arremessou um livro.
O livro começou a viajar pelo ar.
Maria caminhava pensando em como poderia ajudar na formação humana das “crianças”, apesar da baixa remuneração. “Gosto antes de tudo de ensinar.”
Arremessado, o livro começava a subir em direção ao teto. Os alunos entravam correndo para as classes.
“Hoje eles vão poder fazer pesquisas na internet, no site do Yahoo!, para a mostra cultural sobre a Consciência Negra”, pensava. “Eu acredito no futuro de todos eles!”
O livro atingiu uma lâmpada e, bruscamente, caiu.
Maria olhou para cima. E fechou os olhos.
Em queda, uma obra didática de matemática (coincidências da vida) descia, em câmera lenta.
A lombada do livro bateu com força no centro de sua testa.
Maria caiu desmaiada.
Os alunos nunca esqueceram; a professora ainda hoje dá aula com prazer.
Realidade de professor de escola pública mesmo,rsrs.Gostei..Especialmente da parte que lembra a brilhante embora generalizadora piada do Chaves.
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Como sempre um blog muito bem escrito, e com uma aparência veraz ^^
parabéns
se ainda não me segue, dá uma seguida lá e depois dá uma comentada?
http://www.luliskd.blogspot.com
valeeeu
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Fazia tempo que eu não lia uma crônica tão original e , digamos, fora do lugar comum!
Parabéns! Uma leitura agradabilíssima!
http://quimerasequerelas.blogspot.com.br/
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