“Queria ir para a minha terra, lá em Minas Gerais”, mas está internado num hospital de São Paulo. E agora, José?
Já não pode beber, já não pode fumar, cuspir ainda pode, mas não o remédio que a doutora receitou hoje pela primeira vez: um broncodilatador com “bombinha” prata; outro, com colorida.
Asmático que sou, conheço o medicamento, que também é usado para casos de bronquite crônica, enfisema pulmonar e doença pulmonar obstrutiva crônica.
Parado na porta de seu quarto, com o braço ligado a um tubo de soro e com uma pequena fonte de oxigênio presa ao nariz, gosta de conversar com quem está no corredor, enquanto seu filho, que o acompanha na internação, está almoçando.
Coincidências da vida, em todos – absolutamente – ele vê o semblante de alguém de sua família. Eu o fiz lembrar seu sobrinho.
“Ele é alto que nem você, não tão forte, mas tão simpático quanto”, disse, me fazendo pensar que eu não sou tão carrancudo quanto imaginava. “Mas o pai dele, meu irmão, ah…”
Logo um monólogo é estabelecido na conversa. Ele, que sequer me disse o nome, não me permitia perguntas: imaginava as que eu faria e as respondia, fitando as árvores além da janela do corredor.
“Meu irmão construiu toda a casinha dele, lá nas Minas Gerais. No norte, no norte. Um dia, ele pegou o martelo – para pregar, uai – e no que, pum, bateu na parede, teve um ataque cardíaco. Morreu, o coitado. Cê vê como são as coisas.” Mesmo com uma morte repentina, no começo da juventude (como me relatou o Sr. Sem Nome), seu irmão deixou uma “penca” de filhos e um netinho, “a coisa mais linda, sô”.
Apesar de mineiro, aquele senhor não come quieto. Uma enfermeira o mandou entrar e almoçar; assim mesmo ele continuou falando pelos cotovelos, sonhando acordado com os pães de queijo mineiros.
“Quando eu perdi papai [seus olhos se fecham e a voz embarga, contendo um choro], tudo foi um desastre. Tivemos que vender até aquele sitiozinho pequenininho que tínhamos lá no norte, no norte de Minas Gerais. Ó que lá em volta tinha umas três mil cabeças de gado, mas ‘nóis não tinha nem unzinho’.”
Simpático e já na terceira idade, olha para todos, aponta e fala alto que qualquer um ali é criança perto dele.
Ele está internado, mas tem esperanças (apesar de falar muito em morte). Não sabe muito bem, entretanto, de quê. “Mas eu venci. Isso é o que importa.”
Ele venceu, sim. Nossa conversa estava terminando quando sua médica chegou, acompanhada por uma enfermeira e cinco estagiárias, e confirmou: “O senhor está melhor e daqui a alguns dias estará em casa”. A gargalhada de felicidade do paciente não identificado foi ouvida por todo o andar do prédio de internação. “Você tem que, depois, marcar consulta comigo, marcar consulta com pneumologista”, avisou a doutora. Ele reclamou que não estava pensando nisso ainda.
Minutos depois, seu filho retornou do almoço, nos despedimos, e ele concluiu: “Eu venci. Mas, com essa idade, acho que não vou mais até as Minas Gerais”.
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