“Você sabe por que eu decidi trabalhar com os mortos?”, pergunta a papiloscopista Olga Benário Vieira Araújo antes de uma aula prática do I Curso de Treinamento em Perícias Necropapiloscópicas. “Quando eu olhava para tudo isso, queria ajudar, queria acabar com o sofrimento das famílias que perdem seus parentes e precisam passar por toda uma Via Crucis médica até dizer o adeus final”, responde ela, de forma retórica.
Olga é professora do curso ministrado a 84 atendentes de necrotério do Instituto Médico Legal no primeiro semestre deste ano. O objetivo do treinamento foi o de aprimorar o conhecimento técnico dos profissionais, aumentando a qualidade do serviço oferecido pelo instituto.
Em uma das aulas, no IML Central, no bairro de Pinheiros, zona oeste da Capital, os alunos foram convidados a aplicar os conhecimentos adquiridos durante o curso.
Um a um, os agentes de necrotério passaram a tinta nos dedos dos corpos, enquanto a Olga explicava que o material utilizado para a impressão é a mesma tinta que se usa para imprimir jornais. “Não se tira impressão digital com tinta de carimbo, ela borra e muitas vezes impede a leitura dos desenhos”, ressalta.
Cada dedo entintado é colocado sobre uma folha de papel oficial do Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt (IIRGD), organismo da Polícia Civil do Estado de São Paulo e que também auxilia a Superintendência da Polícia Técnico-Científica (SPTC) em caso de óbitos.
Na folhinha de 19×8,5 centímetros (veja na imagem abaixo), há espaços para os 10 dedos além de lacunas para a classificação da digital no Sistema Datiloscópico criado por Juan Vucetich (leia mais abaixo). O documento é enviado para o instituto de identificação onde, a partir da classificação, os papiloscopistas reúnem todas as digitais com as mesmas características.
“A partir daí”, explica Olga, “o trabalho é feito manualmente, para a identificação de, no mínimo, 12 pontos idênticos, que vão definir se um corpo é, de fato, de alguma pessoa”. Para que isso seja feito, o instrumento utilizado é uma lupa – ou, ainda, por opção do profissional, um computador para fazer a ampliação da imagem. “Não existe nenhuma tecnologia 100% confiável para a definição desse tipo de análise, o olho humano é a melhor fonte.”
Para os corpos em estado de decomposição, os dedos são colocados em soluções químicas que ressaltam as digitais, já que elas permanecem até que o corpo de desfaça totalmente.
Do lado de fora do necrotério, famílias aguardavam para fazer a identificação de seus parentes. “É para diminuir o sofrimento deles que estamos aqui”, concluiu a professora.
Como é feita
A leitura de uma impressão digital é feita no sentido horário. “É uma análise complicada, que só se aprende com a prática”, afirma Olga.
A observação de um desenho é concentrada em nove tipos de desenhos característicos que ajudam na identificação. São eles:
• ponto: marca digital que fica impressa como um próprio “ponto final de alguma frase”;
• bifurcação: quando uma linha se divide em duas em um determinado ponto;
• ilhota: é o menor pedaço de linha encontrada na figura analisada e seu comprimento equivale a mais ou menos três pontos;
• cortada: é um pedaço de linha que tem no mínimo o dobro do comprimento de uma ilhota;
• confluência: duas linhas que se unem em um determinado ponto, formando uma única;
• anastomose: pequena linha que liga duas cristas papilares principais (as cristas são as marcas pretas das impressões);
• haste: é um pedaço de linha ligado a uma linha principal;
• encerro: uma linha que se abre e se fecha sobre si mesma;
• extremidade: é uma linha que sai da base do dedo e não tem continuidade, termina antes de chegar ao outro lado.
Com a comparação desses pontos, é mais fácil completar a identificação. Mas, para selecionar as digitais no banco de dados, é necessário classificá-las.
Para essa classificação é utilizado o Sistema Datiloscópico criado por Juan Vucetich. Ele ilustra a segmentação da digital com detalhes como formas de arco, de presilha interna (da esquerda para a direita), de presilha externa (da direita para a esquerda) e de verticilo, que é a forma circular.
Além disso, como se vê na imagem à esquerda, há os detalhes de “triângulos” formados por linhas, chamados de delta.
Leia a primeira parte da reportagem e saiba mais sobre a papiloscopia, ciência estudada no curso e que trata da identificação humana por meio das papilas dérmicas, que são os desenhos que estão nos dedos de cada pessoa.
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