Tudo poderia ter começado antes, seis anos atrás, mas não começou. Demorou muito para entender o que começaria aos quarenta e sete minutos da décima sexta hora daquele dia quinze de junho de dois mil e doze. O tempo não era quente, era fim de outono na parte inferior da bola de água manchada de terra enlameada que chamamos de planeta. Ele passou a tarde lendo quando foi surpreendido por ela.
– O que você faz? Jornalismo? – ela perguntou. Veja bem, interessado leitor, depois de setenta e dois meses sem trocarem uma só palavra, monossilábica que fosse, ela ousou chamá-lo pelo apelido, antes da dúvida. E o apelido, não, não revelaremos aqui neste antiquado e empoeirado espaço onde a cadeira de balanço remexe histórias.
Aquela primeira troca de orações coordenadas, e descoordenadas como seus movimentos espalhafatosos usado para se expressar, durou nada mais que trinta e três minutos, com um sorriso, apenas, sem adeus. E assim, sem despedidas essa história continuou se espalhando por cinco meses e dois dias até que se pudesse trocar os pronomes pessoais retos (ou um tanto quanto curvos) ele e ela para o simples e eterno eles. Ou nós, como dizem, se pá.
Vinte dias se passaram, entre rápidas trocas de assuntos como faculdade, redação jornalística, escola, vestibular. Até mesmo futebol, como na manhã do dia quatro de julho, que teve um céu azul, com um Sol brilhando amarelo, nas cores do Boca Juniors. A noite, contudo, teve um céu negro, pintado de branco por muitas estrelas, manchado de branco pela Lua. Tal qual uma bandeira infinita do Sport Club Corinthians Paulista. Tal qual uma bandeira eterna, como do time todo-poderoso, paixão de ambos.
– Ei, somos campeões, e você é linda – revelou ele, numa mensagem ao final do jogo que deua primeira Libertadores ao time, aos catorze minutos da primeira hora do dia seguinte. Era verdade o que afirmou. Quando estudaram juntos no ensino fundamental, ele sempre a havia visto linda entre alunas, mas tinha vergonha dela. Em realidade, é tímido até hoje, menos quando exerce a profissão que escolheu.
Durante os cento e cinquenta e quatro dias que se passaram entre a primeira palavra e as seguintes sessenta milhões de letras calculadas especialmente para esta observação, eles se conversavam durante a noite, no momento em que a mesma noite começava e o Sol desaparecia no ocidente. A garota estudava durante a manhã e durante a tarde. O rapaz, durante a manhã. Passava a tarde ajudando a mãe a cuidar do pai, vítima de câncer no pulmão. Exatamente no aniversário de um mês do primeiro encontro deles, o pai estava sendo cremado; um dia antes, havia morrido e ela esteve ao lado do namorado, como verdadeira companheira.
Um dia, daqueles finais de semana ou feriados em que não tinham aulas e se falavam das dez da manhã até a meia-noite, ela fez uma revelação ao então amigo, que escrevia crônicas. – Eu tenho um cadernão, em que eu escrevo tudo quanto é tipo de coisa, de tudo que é forma! – A menina dizia que aquilo era só para que ela lesse e mais ninguém. Chato que é, ele fez de tudo para convencê-la a deixá-lo ser o primeiro a beber daquela fonte. Ela concordou. E até hoje, um ano depois, ele nunca nem sentiu o cheiro daquele caderno.
Ao centésimo quarto conjunto de vinte e quatro horas, com a música que se tornaria o tema romântico do casal, ele ganhou um momento de sanidade mental e soltou uma das frases mais profundas que disse até então. – Vou te dizer, qualquer dia eu vou pedir você em casamento. – Ela, então, cinquenta e seis minutos depois, respondeu de uma maneira surpreende aos olhos dele: “E qualquer dia eu vou dizer que me casaria com você”.
– Fico aqui pensando em como será o nosso futuro – contou ele uma vez. – E em como o meu coração vai bater mais forte a cada minuto em que você falar ou olhar. Ou quando o seu nariz ficar vermelho e eu apertar ele. Porque eu sei como é irritante apertar o nariz de uma pessoa com rinite – ela tinha rinite e nem se lembrava disso, mas ele sim, porque recordava a vermelhidão nasal dela na sala de aula. – Ou ficar seguindo com os meus dedos todos os traços da sua mão. Como se traçasse alguns caminhos que a gente pode escolher na vida. Não sei. Eu fico pensando em você e não consigo deixar de pensar. Acho que estou vulnerável a você agora. Porque você foi o meu antibiótico ou a cirurgia que fez bater meu coração.
Nesse dia, foi a primeira vez em que ela o chamou de “meu… amor”, assim, separado por reticências. Não jornalísticas, mas românticas. Evidentemente, ele questionou o motivo dos três pontinhos, em sua filosofia de joça, que ele mesmo respondeu. “Reticências são os pedaços de pão que o João e a Maria jogavam pelo caminho para voltar para casa. Esses pontos que estão entre nós servem para me levar a você. E quando eu for até você, vou dar um backspace em cada ponto que eu deixar para trás, porque eu não quero mais saber voltar.”
A primavera já estava em sua metade, no começo de novembro, quando eles resolveram marcar o primeiro encontro de fato, depois de tanto tempo se conhecendo. Era o dia comemorativo pela proclamação disto aqui que chamam república, quando marcaram para a sexta-feira que o sucedia. Passada metade e meia daquele dia dezesseis, foi quando ela perguntou: “Você tem alguma coisa para fazer amanhã? Porque eu esqueci que minha cachorra tem horário na petshop hoje, mais tarde, e eu estou sozinha em casa, então, sobrou pra mim. Tenho que levar e buscar ela. Ela vai para lá toda sexta-feira”.
Foi assim que o primeiro encontro foi adiado para o sábado, dezessete. Depois, ele descobriria com a revelação feita por ela mesma que a pequena maltês sempre tinha horário no sábado, e não na sexta. E que aquela havia sido uma desculpa para que os dois se preparassem mais um pouco – a ansiedade poderia estragar tudo. Afinal, foi uma atitude inteligente.
Passou um dia e o horário do encontro chegou. Poupemos essa história neste prólogo, já que precisávamos aqui dar o início de tudo. O que prossegue você já sabe, leitor. Mas ainda cabe dizer aqui que no dia nove de dezembro, vinte e dois dias após o primeiro beijo, eles seguraram as mãos e ele disse a frase mais profunda de todo aquele até então breve relacionamento:
eu te amo.