“O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e inda mais alegre ainda no meio da tristeza!”
A passagem acima foi escrita por João Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas. Um trecho dela, em negrito, foi citado por Dilma Rousseff durante sessão de defesa em que ela respondeu a senadores. Enquanto ela citava o mestre, nem precisamos dizer que a acusação se baseou na filosofia de Kim Katinguelê.
No dia 31 de agosto de 2016, na hora do almoço, a democracia do país sofreu mais uma indigestão: sessenta e um senadores da República Federativa do Brasil consolidaram o golpe parlamentar, que teve como vítima a presidenta Dilma, acusada de um crime de responsabilidade do mundo das fantasias.
Dois dias depois, com Temer na China, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que também responde pelo expediente do Palácio do Planalto, alterou a Lei 13.332, que trata sobre créditos suplementares – o tema central do impeachment. Agora, o presidente pode pedalar o quanto quiser sem que haja dúvidas sobre a legalidade do ato.
Grande ato para Michel Temer, que em tempos de pokémon, evoluiu de vice decorativo para Paola Bracho. Porque, conforme Dilma explicou, o golpe consumado resulta “na eleição indireta de um governo usurpador”. A notícia da alteração da lei das pedaladas não saiu em quase lugar nenhum, porque, evidentemente, não eram crime, mas um pretexto para o golpe.
Durante a sessão no Senado, José Medeiros (PSD do Mato Grosso) olhou bem para a cara de Ricardo Lewandowski e ao ministro que ele “apitou” muito bem “uma final de Copa do Mundo”. É uma pena que, nesse campeonato, o Brasil está perdendo de 7 a 1 novamente. E a ampliação dessa vantagem tende a aumentar até as próximas eleições gerais.
A fala do peemedebista Michel Temer, após o discurso de Dilma no Senado mostra um pouco do caráter do agora presidente: “Eu não assisti, sabe que eu não tive tempo?”. O que esperar de um chefe de Estado alienado dos assuntos importantes de seu próprio país? Nada mais importante aconteceu no dia do que isso. É o sarcasmo golpista.
Os absurdos daquele dia vergonhoso não pararam por aí. A exaltada advogada Janaína Paschoal teve a pachorra de chorar e dizer: “Eu peço desculpas porque eu sei que, muito embora esse não fosse o meu objetivo, eu lhe causei sofrimento. E eu peço que ela, um dia, entenda, que eu fiz isso pensando, também, nos netos dela”.
Nem advogado de porta de cadeia joga tão baixo assim. Mas o pior foi Aécio Néscio (PSDB de Minas Gerais) dizer a Janaína que “o que assistimos aqui nos enche de orgulho”. O que vimos lá? Um exemplo do que se tornou a política e a justiça brasileira, neste momento: um tipo de lixo que não pode ser reciclado, exatamente como eu disse ao falar de um país derrotado.
Antes do início da sessão, o senador Magno Malta (PR do Espírito Santo) – aquele senhor que faz piada com tudo, canta e dança no plenário, como se aquilo fosse um circo – disse que Dilma deveria “se dar o respeito”. Isso mostra o tipo de pensamento de políticos que duvidam que isso seja inerente ao ser humano. Pastor, você não irá para o paraíso.
Durante o dia de perguntas e respostas, houve ainda a cara-de-pau do senador José Aníbal (PSDB de São Paulo). Ex-deputado de SP e ex-vereador da capital paulista, ele disse que o Partido dos Trabalhadores (PT) “não acredita que as leis são para todos”. Sinceramente, não é possível que ele viva nesse mundo ingênuo, acreditando que é só esse partido que não acredita. Temos exemplos suficientes para dizer o motivo dessa descrença.
Se você acha que acabou, temos que falar ainda da senadora Ana Amélia (PP, o Partido do Paulo, do Rio Grande do Sul). De verde e amarelo, o retrato da palhaçada, ela afirmou que a presença de Dilma no Senado, para a defesa, “derruba a narrativa do golpe”. Ora, eu pergunto: a existência do MDB no regime militar desmente a história de uma ditadura?
Essa senhora também disse que a agora ex-presidenta foi uma governante que se achou tão forte a ponto de menosprezar o Congresso Nacional. Ana Amélia Lemos raciona tão lentamente que despreza o fato de que é o Congresso que se acha tão forte a ponto de menosprezar a soberania do voto popular. Não há crime mais grave que esse.

Naquele dia, vergonhoso para o país, já durante a madrugada, o senador Waldemir Moka (PMDB do Mato Grosso do Sul) afirmou que “estamos diante do golpe mais democrático da nossa história”. Eis aí a confissão. A injustiça sendo cometida em nome da justiça.
Por fim, eu te pergunto: por que aqueles que são a favor do impeachment não gostam de ser chamados de golpistas? Porque eles sabem que são golpistas. Os inocentes não têm medo de julgamentos. E é ao termo golpista que vamos associar o nome daqueles que votaram a favor de uma aberração jurídica, antidemocrática, e que estarão listados abaixo.
Com o golpe consumado, ainda resta fazer uma observação: o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp), da Academia Brasileira de Letras (ABL), não reconhece o verbo “impichar/impeachar”, mas registra o substantivo feminino “presidenta”. Pelo menos nesse sentido, parece que o jogo virou, não é mesmo?
Senadores que votaram a favor do golpe | ||
Deputado | Partido | Estado |
Acir Gurgacz | PDT | RO |
Aécio Neves | PSDB | MG |
Aloysio Nunes | PSDB | SP |
Alvaro Dias | PV | PR |
Ana Amélia | PP | RS |
Antonio Anastasia | PSDB | MG |
Antonio Carlos Valadares | PSB | SE |
Ataídes Oliveira | PSDB | TO |
Benedito de Lira | PP | AL |
Cássio Cunha Lima | PSDB | PB |
Cidinho Santos | PR | MT |
Ciro Nogueira | PP | PI |
Cristovam Buarque | PPS | DF |
Dalirio Beber | PSDB | SC |
Dário Berger | PMDB | SC |
Davi Alcolumbre | DEM | AP |
Edison Lobão | PMDB | MA |
Eduardo Amorim | PSC | SE |
Eduardo Braga | PMDB | AM |
Eduardo Lopes | PRB | RJ |
Eunício Oliveira | PMDB | CE |
Fernando Bezerra Coelho | PSB | PE |
Fernando Collor de Mello | PTC | AL |
Flexa Ribeiro | PSDB | PA |
Garibaldi Alves Filho | PMDB | RN |
Gladson Cameli | PP | AC |
Hélio José | PMDB | DF |
Ivo Cassol | PP | RO |
Jader Barbalho | PMDB | PA |
João Alberto Souza | PMDB | MA |
José Agripino | DEM | RN |
José Aníbal | PSDB | SP |
José Maranhão | PMDB | PB |
José Medeiros | PSD | MT |
Lasier Martins | PDT | RS |
Lúcia Vânia | PSB | GO |
Magno Malta | PR | ES |
Maria do Carmo Alves | DEM | SE |
Marta Suplicy | PMDB | SP |
Omar Aziz | PSD | AM |
Paulo Bauer | PSDB | SC |
Pedro Chaves | PSC | MS |
Raimundo Lira | PMDB | PB |
Reguffe | Sem partido | DF |
Renan Calheiros | PMDB | AL |
Ricardo Ferraço | PSDB | ES |
Roberto Rocha | PSB | MA |
Romário | PSB | RJ |
Romero Jucá | PMDB | RR |
Ronaldo Caiado | DEM | GO |
Rose de Freitas | PMDB | ES |
Sérgio Petecão | PSD | AC |
Simone Tebet | PMDB | MS |
Tasso Jereissati | PSDB | CE |
Telmário Mota | PDT | RR |
Valdir Raupp | PMDB | RO |
Vicentinho Alves | PR | TO |
Waldemir Moka | PMDB | MS |
Wellington Fagundes | PR | MT |
Wilder Morais | PP | GO |
Zezé Perrella | PTB | MG |
Contra o golpe, votaram os seguintes senadores: Angela Portela (PT-RR), Armando Monteiro (PTB-PE), Elmano Férrer (PTB-PI), Fátima Bezerra (PT-RN), Gleisi Hoffmann (PT-PR), Humberto Costa (PT-PE), João Capiberibe (PSB-AP), Jorge Viana (PT-AC), José Pimentel (PT-CE), Kátia Abreu (PMDB-TO), Lídice da Mata (PSB-BA), Lindbergh Farias (PT-RJ), Otto Alencar (PSD-BA), Paulo Paim (PT-RS), Paulo Rocha (PT-PA), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Regina Sousa (PT-PI), Roberto Requião (PMDB-PR), Roberto Muniz (PP-BA) e Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).